Governo do Distrito Federal
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22/03/18 às 15h32 - Atualizado em 29/10/18 às 12h14

Territórios em expansão e os mitos da sustentabilidade urbana

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Aldo Paviani Professor emérito da UnB e geógrafo da Codeplan

 

Nos últimos dez anos, ampliou-se o discurso e o debate a respeito da sustentabilidade tanto nos meios acadêmicos, como na atividade política e na esfera econômica. Esse conceito é um tanto escorregadio e beira à utopia, que seria atingir a durabilidade do que se constrói constantemente, mesmo quando o que se faz é predador. Assim, no meio urbano e em questões ambientais, admite-se que o discurso e a prática procurem obter algum grau de permanência de objetos, instalações e instituições, erguendo-os à condições de relativamente duráveis ou sustentáveis. Nesse perspectiva, o mínimo que se delineia é que a sustentabilidade se traduz em um mero desejo.

A expansão territorial de um aglomerado urbano pode ocorrer por décadas, indicando ser resultado do dinamismo social e geográfico. Como se dá essa expansão? No meio rural e no caso brasileiro, por exemplo, as atividades acontecem por apropriação de novas regiões para a lavoura, para a criação de gado e para a mineração, sacrificando-se biomas, sua cobertura vegetal, espécies animais e formações rochosas – de superfície ou subterrâneas. Para sustentar a agricultura, a criação de gado ou a extração mineral se faz com a eliminação de estruturas em equilíbrio dinâmico. O exemplo concreto é o desmatamento, quando o cultivo exige que a mata não seja sustentável, pois requer o córte de árvores. Há argumentos para tal: o progresso requer mudança de uma estrutura, por vezes milenar, por outra, em vista da atividade econômica. Pergunta-se qual é o grau de sustentabilidade das florestas e mesmo dos cultivos ao longo de décadas de exploração? E, nesse caso, qual a sustentabilidade do processo em sua totalidade – das estruturas antigas e das novas?

Ao se passar para o meio urbano, deseja-se caminhar para a elevação sustentável dos padrões de vida dos citadinos. Para esse fim, traçam-se metas, estabelecem-se planos e programas com a implantação de metodologias, mecanismos, instrumentos e instituições. Logo se vê que há estruturas prévias que devem ser modificadas e que novas devem surgir, pois em cidades antigas e novas exigem-se processos dinâmicos em razão da expansão populacional. Para suportar o crescimento demográfico, construções devem ser erguidas ou ampliadas. Assim, para oferecer água potável, enterram-se dutos. O mesmo se faz para o esgotamento sanitário. A coleta de lixo exige “aterros sanitários” ou incineração, ambos poluentes. Para que essas facilidades sejam universalizadas, o trabalho é constante, sobretudo se a hierarquia urbana for se ampliando das pequenas cidades em direção às metrópoles e megalópoles. Nessas, o bem estar não é sustentável ou só o é para alguns e não para os milhões de demandantes de serviços urbanos. Ademais, o gigantismo da megalópole requer que governantes arrecadem volume maior de impostos e taxas para atender demandas crescentes. Todavia, o aumento de impostos possui limites, além dos quais se tornam insustentáveis mesmo em sociedades mais prósperas dos países desenvolvidos.

Limitações orçamentárias restringem a execução de obras estruturantes e, por isso, muitos habitantes não terão acesso a certas facilidades urbanas. Por isso, água tratada, esgotamento sanitário, coleta de lixo não chegam a muitos pontos dos grandes aglomerados, o que vai impactar negativamente a qualidade de vida urbana. Portanto, a insuficiência de serviços essenciais reduzirá as metas de sustentabilidade. Observa-se igualmente que a onda crescente de violência urbana deixa os analistas inquietos quanto, por exemplo, a violência do desemprego e as crescentes desigualdades urbanas entre as classes sociais, que se expressam territorialmente nas favelas (com habitações “subnormais”) e nos bairros ricos, bem equipados.

As lacunas quanto a distribuição dos bens de uso coletivo demonstram ser complicado democratizar acessos no meio urbano para efetivar a sustentabilidade.  Ademais, há igualmente demandas para bens imateriais – cultura, lazer, educação, etc., que nem sempre estão presentes em todas as cidades. Em outras palavras, o acesso restrito arranha a cidadania e a democratização de tudo o que foi coletivamente construído. As restrições ao acesso a bens materiais e imateriais pode explicar a onda crescente de manifestações populares. Por isso, sugere-se verdadeira “revolução das prioridades” para que o brasileiro faça jus à avaliação de ser ele um homem (ou mulher) cordial. Reafirma-se, por fim, que a se conquistar algum grau de sustentabilidade, ela deve ser totalizante, portanto, democrática.

 

Correio Braziliense, 27.05.2014

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